Arquivo do mês: novembro 2008

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Monografia Marcela Heitor

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“Tu tens pressa de envelhecer, e o livro anda devagar; tu amas a narração direita e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem…”

Machado de Assis

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Jornalistas podem ser escritores?

INTRODUÇÃO

A idéia de fazer um trabalho sobre os jornalistas escritores que atuam na mídia e na literatura do DF veio da constatação de que não havia nenhum estudo sobre o assunto. O número de pesquisas sobre a obra literária brasiliense não é grande. Sobre os jornalistas que contribuem para essa obra, então, o campo de publicações míngua. O mais extraordinário foi perceber que, embora pouco estudado, o grupo de jornalistas escritores tem bastante força no Distrito Federal. É claro que os 21 autores entrevistados para esta monografia representam apenas uma parcela desse cenário, mesmo que englobem intelectuais de três gerações. Mas o campo é tão extenso que, para se ter uma idéia, dos cerca de mil profissionais listados no Dicionário de Escritores de Brasília, organizado por Napoleão Valadares em 2003, mais de 200 são jornalistas.

 

JORNALISTAS ESCRITORES ENTREVISTADOS   

Participam do trabalho, por ordem alfabética, os autores: Alessandra Roscoe, Alexandre Marino, Amneres Pereira, Anderson Braga Horta, Angélica Torres, Ariosto Teixeira, Carla Andrade, Clara Arreguy, Danilo Gomes, Fernando Marques, Joanyr de Oliveira, José Rezende Jr, Lourenço Cazarré, Luis Turiba, Luiz Martins, Menezes y Morais, Paulo José Cunha, Pedro Biondi, Reynaldo Jardim, Rogério Menezes e Rosângela Vieira.

 

CRITÉRIOS

Ficou determinado que, para este trabalho, seriam considerados jornalistas escritores os profissionais que trabalharam na imprensa em algum momento da vida (tendo cursado jornalismo ou não) e que publicaram pelo menos uma obra de ficção, romance, poesia ou conto em sua carreira. Não houve critério de naturalidade na capital. Mesmo porque, com essa objeção, nenhuma entrevista seria possível: dos 21 autores entrevistados, nenhum nasceu em Brasília ou no entorno do DF. Os perfis são de homens e mulheres de outros estados que resolveram se estabelecer no Planalto Central pelas mais diferentes razões. Gente que está aqui desde 1960, gente que mora aqui há menos de cinco anos.

 

AS ENTREVISTAS

Os autores participaram desse trabalho de diferentes formas. Dos 21 entrevistados, 12 conversaram comigo pessoalmente, sete responderam as perguntas por e-mail, uma me atendeu por telefone e um gentilmente escreveu suas respostas a mão e me enviou o material dentro de um envelope. Tudo entre os meses de agosto e outubro de 2008. Por isso, as perguntas e o andamento da conversa não são o mesmo para todos, como pode ser observado na categoria “Entrevistas” deste blog, que traz a íntegra das opiniões de cada um.

 

OBJETIVO

Saber se eles conseguem ou conseguiram conciliar a carreira na imprensa com a literária é o objetivo central dessa pesquisa. A maioria dos entrevistados garante que as duas atividades caminham juntas naturalmente, sem conflitos. Outros autores acreditam que conviver com jornalismo e literatura é mais uma necessidade do que uma opção. E existem aqueles que tentaram, mas não conseguiram atuar nas duas áreas ao mesmo tempo. O trabalho mostra também que os jornalistas escritores ainda não estão satisfeitos com o tímido mercado editorial do DF e acham que o jornalismo mais ajuda do que atrapalha a literatura. As questões são subjetivas e a única unanimidade que aparece no estudo é que todos os jornalistas escritores entrevistados são apaixonados por escrever.

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Jornalismo e literatura: a rivalidade amiga

Parece óbvio que jornalismo e literatura andam de mãos dadas há muitos anos. Como define José Domingos de Brito, a imprensa, hoje sinônimo de jornalismo, e a literatura, no sentido de ‘livros a mão cheias’, surgiram quase na mesma época. Em 1456, Gutenberg inventou a imprensa e também criou o livro, ao editar a Bíblia. Além disso, o primeiro jornal semanário – Gazzete de France – surgiu em 1631, em Paris, considerada a capital mundial da literatura. Esses fatos históricos comprovam uma realidade também presente nos dias de hoje. Não por acaso, muitos jornalistas fizeram-se escritores pelo trabalho na mídia, da mesma forma que vários escritores conseguiram sobrevivência financeira nos jornais.

A seguir, o pensamento de alguns autores sobre o assunto

 

MANUEL RIVAS

“Quando têm valor, o jornalismo e a literatura servem para o descobrimento da outra verdade, do lado oculto, a partir da investigação e acompanhamento de um acontecimento. Para o escritor jornalista ou o jornalista escritor a imaginação e a vontade de estilo são as asas que dão vôo a esse valor. Seja uma manchete que é um poema, uma reportagem que é um conto, ou uma coluna que é um fulgurante ensaio filosófico. Esse é o futuro.” (RIVAS, 1998)


NELSON RODRIGUES

Aos 13 anos, o autor de A vida como ela é tornou-se repórter policial. Em uma de suas coberturas, escreveu sobre um desastre de trem, dramatizando o acontecimento com um passarinho que teria testemunhado os fatos e correspondido com seu canto a ele. A matéria emocionou vários leitores, até que se descobriu que a ave nunca tinha existido. Mais tarde, aos 55 anos, Nelson Rodrigues voltou a defender os elementos ficcionais da matéria, relembrando o episódio em seu livro A menina sem estrela. Disse ele:

“Hoje a reportagem de polícia está mais árida que uma passagem lunar. Lemos jornais dominados pelos idiotas da objetividade. O repórter mente pouco, mente cada vez menos. A geração criadora de passarinhos acabou… Eis o drama – o passarinho foi substituído pela veracidade que, como se sabe, conta muito menos.” (RODRIGUES, 1993:209).

 
CARLOS HEITOR CONY

Para o cronista, a maneira mais simples e didática de entender os pontos comuns e divergentes de jornalismo e literatura é usar o raciocínio de Aristóteles, de que a definição se faz pelo gênero próximo e pela diferença última. Cony toma como exemplo a sentença de que o homem é um animal racional. O gênero próximo é o animal; a diferença última é o racional. Com o jornalismo e a literatura, o gênero próximo é o universo das letras, o mesmo para as duas atividades. Já a diferença última passa a ser o tempo: o jornalismo distingue-se da literatura por ser uma expressão datada.

Cony ainda compara os dois campos de forma mais metafórica – e, por que não, mais poética: o jornalismo é um peixinho de aquário com água renovada diariamente, que exibe seu desenho, suas cores e fosforescência para atrair o leitor. Já o escritor é um peixe da água profunda, vive na treva e em águas que não recebem a luz do sol. Tem o oceano para arrastar seu corpo medonho e sua fome não escolhe o que comer.


BERNARDO AJZENBERG

“Cada uma (jornalismo e literatura) precisa afastar a outra para garantir seu sangue. Quanto mais distantes estiverem entre si, mais autênticas poderão ser. Penso num jornalismo útil, imediato, informativo, formador e lúcido. Penso numa ficção sem freios, interrogativa, inebriante. Feliz daquele que, nesse embate, consegue servir, e bem, aos dois senhores.” (AJZENBERG in CASTRO e GALEANO, 2002:54)

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Pesquisas sobre jornalismo e literatura

 

O MOMENTO LITERÁRIO – João do Rio

No Brasil, a primeira obra que investigou com mais profundidade as relações entre os dois tipos de “peixes” foi O Momento Literário, de João do Rio. Entre 1904 e 1905, o jornalista e escritor fez uma enquete com 36 intelectuais da época. A pesquisa foi publicada no livro em 1907 e, resumidamente, trouxe os seguintes resultados:

– dez dos jornalistas escritores pesquisados viram o jornalismo como prejudicial à atividade literária;

– 11 disseram que é favorável;

– 11 responderam que ajuda o aspirante a escritor, mas também o atrapalha;

– três não opinaram;

– um não entendeu a pergunta.

No geral, pode-se considerar um empate técnico: o jornalismo pode tanto ajudar quanto atrapalhar o escritor.

 

Entre os entrevistados de João do Rio, que incluía nomes de destaque como Olavo Bilac, o pagamento, a divulgação, a experiência, o exercício e a legitimação foram os principais pontos listados a favor da influência do jornalismo na literatura. Contra essa interferência, os intelectuais enumeraram razões como mercantilismo, banalização, esterilidade, falta de tempo e favorecimento. As respostas mais freqüentes são as que colocam em lados opostos arte e dinheiro, questão ainda hoje muito debatida, já que no Brasil raros são os escritores que conseguem sobreviver apenas da venda de seus livros.

 

 

PENA DE ALUGUEL – Cristiane Costa

Um século depois da enquete de João do Rio, a jornalista Cristiane Costa se aventurou no mesmo debate. Queria saber o que achavam os intelectuais de 2000 sobre o questionamento feito em 1900. Para isso, ela entrevistou 32 jornalistas escritores contemporâneos a fim de descobrir se o trabalho na imprensa ainda era um problema ou se, a julgar pela quantidade de jornalistas que continuavam tentando fazer literatura cem anos depois, seria uma alavanca na carreira de escritor.  No resultado da enquete, publicada no livro Pena de Aluguel: escritores jornalistas no Brasil 1904 – 2004 (2005), os prós e contras do escritor trabalhar na imprensa não diferem muito dos relacionados pelos intelectuais da época de João do Rio. Só que dessa vez, ao contrário do que aconteceu em 1900, o lado positivo do jornalismo foi mais lembrado que o negativo. 

 

Em síntese, a pesquisa de Cristiane Costa teve:

– 15 entrevistados que consideram a atividade na imprensa positiva para o escritor;

– dez que acham que tanto ajuda quanto atrapalha;

– cinco que acreditam que ela é prejudicial;

– e dois que não responderam.

Na visão da autora, isso significa que, hoje, a pergunta de João do Rio – “O jornalismo, especialmente no Brasil, é um fator bom ou mau para a literatura?” – é respondida com um esmagador “útil”. O principal ponto a favor do jornalismo foi a possibilidade de viver da escrita. Do outro lado, a falta de tempo e a esterilização da linguagem foram citados como os fatores mais prejudiciais, pontos também colocados pelos autores da enquete de João do Rio.

 

Entre os 32 escritores que participaram da pesquisa de Cristiane Costa estão Arnaldo Bloch, Arthur Dapieve, Bernardo Carvalho, Cadão Volpato, Cintia Moscovich, José Castello, Juremir Machado da Silva, Luiz Ruffato, Marçal Aquino, Marcelo Coelho, Mario Sabino e Sergio Rodrigues. As entrevistas estão disponíveis em www.penadealuguel.com.br.

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Literatura brasiliense

Existe literatura em Brasília? Um trabalho que tem como tema central os jornalistas escritores do DF parte da hipótese que sim. Mas não é um sim dito com a voz firme, nem com a convicção de uma constatação óbvia. É um sim que sinaliza uma corrente em construção, com atores dispostos a fazer valer essa afirmativa, em busca da consolidação concreta da atividade. Há produção local das mais diversas, obras de qualidade, intelectuais com talento e boa vontade para dar respaldo à literatura de Brasília. Mas existem fatores que colocam em xeque essa perspectiva. A falta de um mercado editorial forte, a divulgação quase inexistente na mídia do que é feito na cidade, uma projeção nacional nula e a fragmentação das vertentes literárias locais dificultam a criação de uma literatura propriamente brasiliense. Além do mais, Brasília é uma cidade com menos de 50 anos. Isso a coloca em uma faixa etária que permite filhos já maduros, mas não a perpetuação maciça de seus descendentes, nem a construção sólida de uma estrutura familiar.

Em processo de formação, Brasília “importa” escritores de outros cantos do Brasil. Nesse trabalho, por exemplo, nenhum dos 21 entrevistados nasceu no DF. Nove deles (cerca de 40% do total) vem de cidades de Minas Gerais. Depois, empatam, com dois representantes cada, os jornalistas escritores de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Na média geral, os autores chegaram em Brasília entre a década de 1970 e 1980, mas há entrevistados que estão aqui desde a criação da cidade, em 1960, e outros que se mudaram para cá há menos de cinco anos.

Ronaldo Cagiano, em seu livro Antologia do Conto Brasiliense (2004), reúne textos de 83 nomes da atmosfera heterogênea da criação literária em Brasília. Desses, 36 conciliam a literatura com o jornalismo, representando 43,37% dos participantes da obra. Em Todas as gerações: o conto brasiliense contemporâneo (2006), outra publicação organizada por Cagiano, esse percentual se mantém alto: 40 dos 102 autores do livro, ou seja, 39,22%. Um terço dos textos que aparecem na antologia Poemas para Brasília, organizada por Joanyr de Oliveira em 2004, são de pessoas que vivem entre os dois campos: dos 69 poetas que participam do livro, 23 conciliam ou conciliaram em alguma fase da vida a atividade jornalística com a literária. Os escritores que ficam fora desses percentuais dedicam-se a outras carreiras. São médicos, músicos, professores, diplomatas, historiadores, engenheiros, filósofos, economistas, artistas plásticos, químicos, cantores, entre outros. Esses casos, no entanto, caracterizam-se como ocupações isoladas e sem a mesma expressão do jornalismo na literatura. 

 

O QUE PENSAM SOBRE O ASSUNTO…

SALOMÃO SOUSA

O organizador da coletânea Deste Planalto Central: poetas de Brasília, acredita que, por ser uma sociedade nascente, “ainda é cedo para a arte de Brasília admitir qualquer tombamento ou cerca limitadora, pois junto com a cidade ainda está em processo a dinâmica de ampliação dos limites dos próprios recursos humanos e criativos.” (SOUSA, 2008). E afirma: “O que dá legitimidade a um intelectual não é o registro de nascimento, mas a autenticidade do seu envolvimento com o local em que está radicado e com o qual interage. Não é a toa que em todas as referências a Joseph Conrad há a seguinte especificação: escritor inglês de origem polonesa. A cidadania autoral é definida pelo afeto pessoal do autor quando escolhe um local para participar de uma fundação.”

 

RONALDO CAGIANO

Mesmo organizando uma coletânea com mais de 100 textos produzidos em Brasília (ou por gente de Brasília), Ronaldo Cagiano defende que é a qualidade e não a adjetivação que legitima uma força literária. Para ele, “referir-se a uma literatura brasiliense, capixaba, paulista, amazonense, goiana, sulista ou nordestina é tão provinciano e inócuo como rotular outra de masculina, feminina, infanto-juvenil, negra, erótica ou engajada.”. Cagiano defende que o que existe é “uma literatura de bom ou mau nível, feita por homens e mulheres, circunstancialmente vivendo num ou noutro lugar. Ela é o verdadeiro referencial ético e estético, que fornece sempre aos leitores obras que ultrapassam as fronteiras geográficas e temáticas e que funcionam como parâmetros de uma época.” (CAGIANO, 2006)      

 

ANDERSON BRAGA HORTA

“Assim como a Cidade é um cadinho de fisionomias, hábitos, falares de todas as regiões do País, tendendo talvez, nas novas gerações nativas, a uma síntese nacional, a literatura nela produzida retrata ou reflete essas origens, havendo, contudo, desde os primeiros momentos, contos, novelas, romances aqui ambientados.” (HORTA, 2003: 17)

 

JOANYR DE OLIVEIRA

“Esta lacuna poderá resultar em uma completa ausência de identidade regional, trazendo a perda de um sentimento de cidadania brasiliense. […] Se passarmos os olhos pela cultura dos outros estados, iremos perceber, por exemplo, que os escritores catarinenses e gaúchos são venerados pelos conterrâneos; em Goiás, os autores locais são estudados na Universidade; no Nordeste nem se fala. Para resolver isso, faz-se necessário o ensino efetivo da nossa literatura nas escolas e faculdades, além de uma imprensa mais aberta. A existência de muita literatura de gosto duvidoso em nossa cidade não justifica a ignorância com relação aos autores de qualidade. Nossa literatura, a realmente representativa, é de altíssimo nível.” (OLIVEIRA, 2004: 34)

 

PAULO PORTO

“Sobrevivendo submersa em um oceano de indiferença, envilecida pelo preconceito, calcada pela incultura, a literatura candanga apresenta uma trajetória tão enriquecida quanto desconhecida em sua importância para a formação de uma consciência essencialmente brasiliense.” (PORTO, 2004)

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Jornal e livro? Dá para conciliar sim

Para a maioria dos entrevistados desse trabalho, conciliar jornalismo e literatura não é um problema. Dez deles, quase metade, afirmaram levar as duas atividades tranquilamente.

 

LOURENÇO CAZARRÉ

O jornalista escritor nasceu em Pelotas (RS), mas vive em Brasília desde 1977. Autor de mais de 40 livros, entre novelas juvenis, contos e romances, ele acredita que, como viver de venda de livros no Brasil é quase impossível, conciliar jornalismo e literatura é uma saída natural, já que as duas áreas se aproximam quanto ao uso da palavra. “Dá para ser escritor e jornalista ao mesmo tempo, sim. São contados em centenas os escritores brasileiros que ganham a vida como jornalistas. (…) A ligação entre jornalistas e escritores é forte porque, aparentemente, a função é a mesma: escrever. No entanto, simplificando ao máximo, pode-se dizer que o jornalista usa a língua para descrever o real e o escritor a utiliza para criar um mundo ficcional. São coisas fundamentalmente diversas.”

 

LUIS TURIBA

O pernambucano Luis Turiba acredita que poesia e jornalismo também podem ser conciliados. Em Brasília desde 1978, ele mantém uma relação de criação com os versos, nunca de profissão. O jornalismo sim, proporcionou-lhe dinheiro, experiência, trabalhos – e ele é muito grato à imprensa por isso. E, apesar de separar bem as duas coisas, ele reconhece a proximidade entre ambas. “A literatura é muito ligada ao jornalismo mesmo. Às vezes o poema nasce na redação de jornal. Poemas são acontecimentos jornalísticos também.”

 

ARIOSTO TEIXEIRA

Na visão do analista político de O Estado de S. Paulo, Ariosto Teixeira, falar que existe conflito entre as partes é desculpa (para não fazer bem nenhuma das duas, no caso). “É possível sim juntar as duas coisas. O que não é possível é viver de literatura.” Na capital desde 1978, o autor de Poemas do front civil acredita que, além de um mercado editorial que favoreça as obras literárias nacionais, falta pesquisa nos textos produzidos no país. “Somos muito influenciados pelo experimentalismo francês e fazemos isso de forma muito preguiçosa. É por isso que muitos escritores dizem que, se tivessem que pesquisar para escrever, jamais escreveriam. Mas a pesquisa é essencial.”

 

ALESSANDRA ROSCOE

Para a jornalista televisiva e atualmente escritora de literatura infantil Alessandra Roscoe, jornalismo e literatura são atividades parceiras e totalmente conciliáveis. “Não vejo nenhum problema, acho até que as duas coisas andam muito juntas. Sempre brinco que como jornalista, escrevo histórias de verdade de gente de verdade e como escritora invento situações e personagens. A meu ver uma coisa completa a outra. As duas profissões têm a mesma ferramenta: a palavra. Seja ela poética ou informativa, será sempre a palavra.”


ANGÉLICA TORRES

Na visão da goiana de Ipameri Angélica Torres, em Brasília desde 1965, não é o jornalismo que impede a literatura ou vice-versa. Sempre haverá a possibilidade – e a viabilidade – de se fazer vários ofícios paralelamente. Só depende de quem as desejar. “Acho que dá pra se fazer duas ou mais coisas ao mesmo tempo em qualquer época e lugar, desde que se tenha a inquietação, um chamado interior pra isso, mas também disciplina, que sem ela não se realiza coisa alguma”.

 

MENEZES Y MORAIS

Para Menezes y Morais, a história da literatura brasileira é uma prova de que, aqui, jornalista também pode ser escritor e vice-versa. “Quando não concilia, é porque uma vocação bate mais forte que a outra. A própria Rachel de Queiroz, que era jornalista e escritora, dizia que não dava para viver só com uma coisa ou só com outra”, exemplifica. Apesar de concordar que as duas áreas podem andar juntas, o piauiense define bem o que cada uma representa na sua vida: a literatura alimenta a sua existência, o jornalismo garante a sua sobrevivência.

 

ROSÂNGELA VIEIRA

A jornalista, escritora e professora universitária Rosângela Vieira acredita que conciliar ou não jornalismo e literatura é uma questão mais de espaço mental do profissional. Ela acredita que é possível sim levar as duas atividades juntas, mas o resultado dessa parceria vai depender de quanto o autor está envolvido com uma coisa e outra. “Não acho que sejam áreas inconciliáveis não. Mesmo porque, a literatura é uma espécie de mosca azul: se você foi picado por ela, não tem mais saída. Em qualquer situação, dá-se um jeito de escrever, de colocar aquela inquietação no papel. É mais forte que a gente.”

 

DANILO GOMES

Aos 65 anos, o jornalista escritor Danilo Gomes diz nunca ter passado por conflitos. Cronista assumido, com publicações em diversos jornais do país, ele acredita que uma atividade completa a outra. “No fundo, trata-se de escrever, que é um dom que se desenvolve. Grandes jornalistas costumam ser grandes escritores, a começar pelo cronista, contista, poeta e romancista Machado de Assis, nosso ícone, nosso mestre, orgulho do povo brasileiro”.

 

ANDERSON BRAGA HORTA

O jornalista, escritor e servidor público aposentado Anderson Braga Horta acha que a pior parte do jornalismo na literatura é a falta de tempo. Por isso, avalia que quem melhor concilia as duas áreas são os colunistas e os repórteres de pautas mais literárias e culturais. Em Brasília desde 1960, o mineiro de Carangola argumenta que a história literária brasileira é uma prova de que não há incompatibilidade entre as duas áreas. “São coisas diferentes, é verdade, mas escrever para jornal pode ou não ser diferente do que escrever literatura. Os cronistas estão aí para provar que isso é possível.”

 

CARLA ANDRADE

“Pra quem quer ser jornalista e escritor, recomendo que tente conciliar ao máximo as duas coisas. Fazer crônicas diárias, observar tudo, escrever em casa as histórias que começaram na rua e poderiam virar ficção. Eu acho que dá pra conciliar sim, se a pessoa gostar mesmo de escrever e tentar fazer disso um exercício diário.”

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Aliança necessária

Perguntados se é possível conciliar jornalismo e literatura, sete dos autores entrevistados responderam que essa é uma situação que precisa existir de qualquer forma, mais como necessidade (financeira, profissional, de reconhecimento) do que por hobby.

 

ALEXANDRE MARINO

Um deles é o jornalista, publicitário, funcionário público e poeta Alexandre Marino. Para ele, só o fato de ser escritor já implica em ser alguma outra coisa ao mesmo tempo. “A literatura não é profissão no Brasil. Então, é necessário viabilizar a atividade de escritor sem que prejudique (muito) as atividades profissionais. E encarar a literatura seriamente – ou não. O resultado disso é opção de cada um.”

 

AMNERES PEREIRA

Amneres é paraibana de João Pessoa e está em Brasília desde 1979. Formada em Letras e em Jornalismo pela Universidade de Brasília (UnB), ela concilia a responsabilidade de todo dia editar o jornal da Câmara dos Deputados com a participação de recitais de poesia e a construção de seu novo trabalho – um romance totalmente virtual. A idéia do Diário da Poesia em Combustão é lançar um livro-blog durante o processo de elaboração, o que deve acontecer até o fim de 2008.

“Edito o jornal da Câmara durante o trabalho, de tarde e de noite, concentrada. Agora, literatura, faço em casa, de manhã, nos fins de semana. Todo dia de manhã eu dedico um tempo pra literatura – ou lendo, ou escrevendo. Concilio as duas coisas, porque não dá para viver de arte. (…) E, no serviço público, você tem férias, fim de semana, um horário menos sacrificado. É melhor que o ritmo de redação, em que não sobra tempo pra nada.”

 

PAULO JOSÉ CUNHA

O jornalista, poeta e professor universitário Paulo José Cunha é outro que se desdobra para conseguir dar conta de todos os afazeres. Em Brasília desde 1970, ele se divide atualmente entre o trabalho na TV Câmara, as aulas na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília e a conclusão de vários projetos. Ele está finalizando um Manual Básico de Telejornalismo, deve lançar até meados de 2009 seu longo poema Perfume de resedá e entra em fase de conclusão dos documentários Brasília Torturada e A violinista que subiu ao céu.

“Não foi uma decisão [conciliar jornalismo e literatura], mas uma condição. Era jornalista quando decidi publicar um livro com meus primeiros poemas. Nem sabia, mas a partir daí virei…escritor! Depois, publiquei outros livros, e consolidei-me nessa condição. Sim, dá para ser jornalista e escritor ao mesmo tempo. Mas ambas as atividades são prejudicadas. Quem pretende ser um escritor de ficção, o melhor que tem a fazer é dar um jeito de se dedicar exclusivamente à literatura, porque a atividade jornalística é muito absorvente.  Igualmente, quem quer ser um bom jornalista mas tem pretensões literárias, o melhor é saber que a literatura vai pagar o preço por não ser a ‘única esposa’.”

 

FERNANDO MARQUES

Para o carioca Fernando Marques, jornalista, professor universitário, poeta, compositor e morador de Brasília desde 1974, literatura e jornalismo estão unidos por relações muito mais fortes do que o suposto compromisso de fidelidade conjugal.

“Razões evidentes ligam as duas atividades: a da sobrevivência, quando o escritor financia a si próprio com o trabalho jornalístico, e a da vocação, dado que o ato de escrever relaciona ambas as funções. Cada uma delas corresponde, no entanto, a um tipo diverso de escrita e de atitude mental. Mas, ao lembrarmos que Machado de Assis e Nelson Rodrigues, entre tantos outros grandes autores, dividiram-se entre literatura e jornalismo, é preciso perceber que noutros tempos, mais do que nos atuais, a imprensa veiculava literatura – não apenas crônicas, mas também romances (os folhetins, isto é, histórias seriadas) e poesia. Hoje, o autor, jornalista ou não, que consegue publicar literatura na imprensa será exceção.”

 

CLARA ARREGUY

Na corda bamba entre a ponta da sobrevivência e a ponta da vocação fica a vontade de fazer bem as duas coisas. Mas essa relação equilibrada entre jornalismo e literatura nem sempre é possível. Morando em Brasília desde 2004, a editora do Caderno de Cultura do Correio Braziliense, Clara Arreguy, está ciente do risco que corre pela escolha de querer ser escritora e ser jornalista ao mesmo tempo.

“Dá para conciliar, mas uma das atividades sempre fica em segundo plano. No meu caso, é a literatura que sai perdendo, porque o jornalismo me ocupa a maior parte do tempo. As duas áreas exigem tempo e energia e nem sempre eu chego disposta da redação. Na maioria das vezes estou cansada e não consigo escrever. É uma harmonia difícil de conciliar.”

Jornalista há quase 30 anos e autora dos livros Fafich (Conceito Editorial, 2005) e Segunda Divisão (Lamparina, 2005), Clara diz que só se disciplina a escrever quando tem alguma produção literária em andamento. Aí ela se obriga a continuar a obra, mesmo com os horários apertados de suas obrigações jornalísticas. É o que vem acontecendo no momento, com a edição do seu novo romance, Tempo Seco, previsto para ser lançado em 2009. A publicação, em um mercado caracterizado pela falta de editoras e pela dificuldade de distribuição, só foi possível com a aprovação do trabalho no Fundo de Apoio à Cultura do DF, o FAC-DF.

 

PEDRO BIONDI

Quem também acredita que literatura tem que conviver com jornalismo por “motivos de força maior” é o contista Pedro Biondi, autor do livro Cheiro de Leoa, lançado em 2007 pela editora Limiar. Jornalista desde 1998, Biondi é paulista e chegou em Brasília em 2005. Na capital, ele se divide entre o convívio ora enriquecedor, ora conflituoso do universo literário-jornalístico. “Às vezes as coisas parecem se misturar. É comum nas redações um editor falar para o jornalista: “Tá pensando que você é escritor? Vai cortar isso!”. Filtrar esses ensinamentos e entender o que é floreio no jornalismo e o que é estilo é fundamental.”

Quando publicou sua primeira reportagem, Biondi lembra que viveu uma sensação de responsabilidade. Com seu nome estampado no jornal, ele passou a ser mais atento com as informações, as questões éticas. Também sentiu o que, anos depois, seria ainda mais forte com a publicação do primeiro livro: a agradável sensação de estabelecer contato com o outro. “No livro, isso é ainda maior. Você pensa que, com aquela obra, está estabelecendo pontes com escritores que você gosta, com pessoas que talvez nunca te entenderam bem. A literatura é um pouco a maneira de demonstrar a sua relação com o mundo, de uma forma que pode ou não abarcar 100% do que você pensa, pode ou não ser dita intencionalmente. A sensação de tirar o livro que estava trotando na gaveta é muito boa.”

 

LUIZ MARTINS

Para quem, além de jornalista e escritor, dedica-se à vida acadêmica, conseguir fazer todas as coisas juntas torna-se ainda mais difícil. Poeta, jornalista, pesquisador e professor de Comunicação na UnB desde 1988, Luiz Martins conhece bem essa terceira margem do rio. Ele conta que deixou o jornalismo para se dedicar à universidade com a pretensão de conseguir mais tempo para a literatura. Não deu tão certo.

“Eu fugi do jornalismo achando que ia encontrar um abrigo seguro na célula monástica da vida acadêmica, mas ela também atrapalha a vida do escritor. É muita burocracia de papéis, de funções. Mesmo assim, ela ainda é mais favorável para o escritor que a de jornalista, porque é uma vida de lides com pensamento, com a intelectualidade, com a cultura, com a interdisciplinaridade, intertextualidade e intersubjetividade que a universidade permite com saberes de vários campos de conhecimento.”

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Quando a mistura não mistura

Todos os entrevistados são jornalistas e escritores. Mas existem aqueles que, em algum momento, descobriram que conciliavam o inconciliável. Dos autores que participam desta monografia, a minoria (três) acha que aliar as duas coisas é inviável. Os argumentos variam: alguns acreditam que o problema maior é o tempo, que acaba faltando tanto à literatura quanto ao jornalismo. Outros defendem que são duas atividades tão diferentes, que não há como se misturarem e, por isso, serem conciliadas.


ROGÉRIO MENEZES

Depois de publicar mais de 800 crônicas no jornal Correio Braziliense, Rogério Menezes garante que o jornalista que existia nele está morto e enterrado. Hoje, ele tem uma opinião radical a respeito das possibilidades de unir as atividades jornalísticas e literárias: “jornalismo e literatura não se misturam, mesmo se quisessem se misturar: são como água e óleo. Ou se é jornalista. Ou se é escritor. Talvez minha literatura fosse melhor se eu tivesse sido engenheiro, médico ou geólogo”, avalia.

Para Menezes, a própria crônica, considerada por muitos uma expressão jornalística, é mais anti-midiática que pró. Ele acredita que, como seres humanos as pessoas tem mais dúvidas do que certezas, pensamento que vai na contramão da lógica dos profissionais da mídia. “Os jornalistas sempre acharam e acharão que devem ter mais certezas do que dúvidas. Nesse sentido, o cronista é o antijornalista: deverá, e sempre terá, mais dúvidas do que certezas.”

 


JOSÉ REZENDE JR

Em Brasília desde 1987, o jornalista, escritor e autor do livro de contos A mulher-gorila e outros demônios (Editora 7Letras, 2005),  José Rezende Jr., teve que decidir em 2001 o que seria prioridade na sua vida, se jornalismo ou literatura. Na época, ele trabalhava no jornal Correio Braziliense. As matérias de Rezende permitiam muitas interferências literárias e ele chegou a escrever uma reportagem especial sobre Guimarães Rosa com as técnicas narrativas do autor, no estilo do discurso do personagem Riobaldo, de Grande Sertão: Veredas.

“Foi uma época muito boa e muito literária do Correio Braziliense, onde muita gente tinha liberdade para inventar estruturas. Mesmo com essa possibilidade de unir as duas coisas, o que eu escrevia não era literatura, era jornalismo, uma reportagem com estrutura de ficção. E depois que comecei a soltar o texto no jornal é que eu comecei a gostar mais ainda do que eu produzia, da possibilidade de escrever mais. Sempre tive vontade de ser escritor e quase ser escritor no jornalismo não era suficiente.”

Repórter durante 20 anos, Rezende acredita que o jornalismo atrasou sua produção literária. Hoje ele não vive de literatura, claro. Trabalha na presidência da República, num cargo ligado indiretamente ao jornalismo, com uma rotina de trabalho bem mais tranqüila que a da redação. “Atualmente, não há invasão do jornalismo com a literatura. Na época de redação também não, porque o jornalismo me absorvia inteiramente e não me dava tempo nem cabeça pra literatura. Não houve invasão, houve obstáculo. Quando deixei de ser jornalista diário, deixei de escrever tanto, fui menos sugado. Com a literatura eu me sinto mais realizado.”


JOANYR DE OLIVEIRA

A opinião de Rezende é a mesma de Joanyr de Oliveira, seu conterrâneo da cidade mineira de Aimorés. Joanyr conta que ser escritor foi um acaso de sua vida, já que todos os rumos o levavam para o sentido oposto. O autor foi influenciado pelo pai para ser proletário e só teve contato com o concretismo e com a poesia de Carlos Drummond de Andrade aos 19 anos, quando se mudou para o Rio de Janeiro. Foi a partir desse encontro que Joanyr começou a pensar uma vida literária. É hoje, com o também entrevistado Anderson Braga Horta, um dos pioneiros da literatura na capital federal, cidade em que reside desde sua criação, em 1960.

Bacharel em Direito, jornalista desde os 16 anos e analista legislativo aposentado da Câmara dos Deputados, ele também avalia que jornalismo e literatura são atividades absorventes demais para serem exercidas juntas. “Eu não acho que dá para conciliar a carreira de jornalista e escritor, porque as duas profissões são muito absorventes. E ficam os dois lados brigando pela produção. Eu fiquei no jornalismo por um tempo porque precisava me manter. Cheguei a trabalhar em três jornais. Até que passei no concurso da Câmara dos Deputados, que me pagava mais que os três empregos em redação juntos. Hoje tenho o tempo que preciso para a literatura.”

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Mercado editorial do DF

Se o convívio harmônico ou não entre jornalismo e literatura ainda divide opiniões, a visão dos jornalistas escritores sobre o mercado editorial do DF, com extensões para o Brasil, é praticamente unânime. Todos reconhecem que existe muita gente boa produzindo na capital, mas há pouquíssimas editoras dispostas ou capazes de publicar esse material. É um problema nacional? É. Mas em Brasília ele parece mais acentuado, seja pelo fato da cidade estar fora do eixo Rio-São Paulo, seja pela capital ainda ser relativamente nova. De qualquer forma, as angústias e dificuldades de publicação não passam despercebidas pelos escritores. Até aqueles mais reconhecidos sofrem com essa lacuna, como o poeta Nicolas Behr, que só depois de 50 anos de poesia conseguiu uma editora.

É o caso também de Luiz Martins. Depois de 40 anos de poesia, ele comemora o primeiro dinheiro concreto de sua literatura. Vai receber R$ 5 mil por um poema seu que será publicado em um calendário.

Isso é irreal, tem noite que até me belisco. Mas é um problema nacional, eu entendo. Carlos Drummond de Andrade, que passou boa parte da vida ganhando dinheiro nas redações de jornal como cronista, também teve que financiar seu primeiro livro. No Brasil, ainda é considerado natural o escritor financiar a própria literatura.

Com um livro recém-lançado, Pedro Biondi ainda guarda lembranças frescas da jornada editorial. E avalia que, em Brasília, como em outros lugares, existem escritores bons que não são aceitos de imediato pelas editoras e autores sem um compromisso tão profundo com a literatura mas que, por terem nome ou contato, conseguem publicar sua obra com mais facilidade. Seu livro de estréia, ele conseguiu publicar por uma editora paulista.  

Mandei o original para várias editoras, inclusive as que lançavam autores novos, e muitas demoravam mais tempo que o prazo estipulado para me dar um retorno. Outras eu sei que nem liam. Consegui a editora, mas dividi os custos da publicação. Não são rão raros os casos de escritores que escrevem a sério e têm dificuldade para publicar. E não é incomum quem publica um livro como uma realização pessoal, mesmo que não tenha uma relação mais íntima com a escrita, para “sair da rotina”.

Preparando o lançamento de seu novo romance, a jornalista, escritora e professora universitária Rosângela Vieira, já conhece o drama que a espera na publicação. Mas, desde que entrou para o grupo Casa de Autores, ele está menor. Ela e outros 20 escritores se uniram há cerca de um ano para facilitar o acesso às editoras. Eles contrataram uma agente literária, que direciona as obras para as casas específicas de publicação. “Não é um grupo para conversar, é para atuar. Porque escrever só não basta. A gente tem que escrever e tentar mostrar o trabalho – e isso significa levar os textos até os leitores, a parte mais difícil do processo literário.” Mesmo assim, Rosângela não taxa as editoras de vilãs do processo literário. “Tem escritor demais no Brasil e editora de menos. E eu nem acuso elas de incompetentes, porque sei que às vezes chegam cerca de 300 originais por mês para equipes muitas vezes pequenas.”

Também participante da Casa de Autores, Alessandra Roscoe tem uma visão mais otimista da projeção da literatura brasiliense no cenário nacional. Com a ajuda do grupo, ela diz que multiplicou o número de contratos assinados com editoras do eixo Rio- São Paulo. “Há projeção nacional se houver um trabalho. É preciso que haja também a disponibilidade do escritor de ir onde o leitor está. Isso nós da Casa de Autores temos feito e já vimos bons resultados, tanto em reconhecimento de nosso trabalho, como em vendas de nossos livros.”

Todos os jornalistas escritores concordam que o Brasil ainda é muito dependente das produções que saem do Rio de Janeiro e de São Paulo. Por isso, afirma Fernando Marques, o reconhecimento da literatura brasiliense faz-se tão difícil, fechado aos limites do Distrito Federal. Mas o autor avalia que a questão do fraco mercado editorial brasiliense está, principalmente, no plano econômico. “Para que houvesse de fato reconhecimento, teria de existir mercado. Temos, somos consumidores de livros, mas não temos um sistema de produção de livros desenvolvido ou estável.” E lista:

Um sistema literário (tomando o adjetivo “literário” em sentido largo) envolve: demanda, isto é, consumidores; empresários dispostos a investir no setor; editoras; profissionais qualificados para trabalhar nelas; livrarias atentas ao movimento local; consagração de autores nas estantes acadêmicas (não se estudam, salvo exceções, escritores brasilienses… em Brasília); jornais que remassem contra a maré e assumissem a tarefa de combater o bom combate de divulgar a boa literatura, sem prevenções contra quem tem o seu CEP na cidade.

A conclusão de Fernando Marques é que, de todos os itens, Brasília só tem de fato o primeiro. Autores com mais de 30 livros publicados e participação em cerca de 40 antologias, como Joanyr de Oliveira, são uma exceção às constatações de Marques. Mesmo assim, Joanyr só conseguiu invadir o mercado editorial porque, hoje, é ligado à Editora Thesaurus, que organiza grande parte de suas obras e publica um livro seu a cada ano. Mesmo assim, o escritor ainda acredita que tinha mais espaço para publicar suas obras quando morava no Rio de Janeiro.

Fazendo coro com os colegas, Paulo José Cunha acredita que “fora do eixo Rio-São Paulo, qualquer veleidade literária é apenas uma tentativa vã.” Para ele, não existe projeção para quem está fora desses limites. Como a grande mídia está situada nesses dois estados, só o que sé produzido neles ganha projeção e dimensão nacionais. Sobre a mídia de Brasília, o jornalista escritor só critica o fascínio que ela ainda mantém pelo que vem de fora, “como se o que se produz aqui não tivesse igual ou maior qualidade.” E completa:

Na área da literatura, temos excelentes autores, mas suspeito que se não saírem daqui pra morar no Rio ou em São Paulo vão continuar no anonimato, infelizmente. Pensam que o Eixão da Morte é o eixo rodoviário? Estão enganados. O Eixo da morte da arte e da cultura brasileira é o que reúne os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, que sufocam grande parte da fantástica diversidade da nossa cultura regional em todas as áreas.

Mas quais são os motivos dessa ausência mercadológica? Existem hoje 15 editoras registradas na Câmara do Livro do DF. Quase nenhuma delas chega às grandes redes de livrarias, principal ponte com o leitor brasileiro. A maioria das publicações de Brasília só são viáveis mediante bolsas de apoio de órgãos públicos. Mas publicar não automatiza a chegada do livro ao leitor, principalmente num país em que ainda se lê pouco, menos de 5 livros por ano por habitante. A pesquisa Retratos da Leitura do Brasil, divulgada em maio de 2008 pelo Instituto Pró-Livro, mostra que as pessoas do Centro-Oeste lêem uma média de 4,5 livros por ano. Desse total, 3,4 são obras indicadas pela escola (o que inclui os livros didáticos), sobrando apenas 1,3 para leitura extra-escolar. O estudo também constatou que cada residência brasileira tem uma média de 25 livros – cerca de 12 deles são indicados pela escola, 2 são a Bíblia, 3 são outros livros religiosos e 7,4 resumem a possibilidade de toda a variedade de publicações restantes.

Percebe-se, portanto, que os jornalistas escritores do Brasil – e de Brasília – enfrentam um problema natural de leitura no país. É uma situação, entretanto, que não depende mais do governo e das políticas de educação do Brasil para ser melhorada. Às editoras, cabe tentar atrair esse público para as obras que lança no mercado. Aos autores, o que se pode tentar fazer é apresentar a literatura brasiliense à população do DF, divulgando-a em escolas, saraus, noites literárias, programas de TV, fazendo parcerias com universidades, projetos com o governo, rodas de leitura. Enfim, todas as possibilidades que torne o acesso – e a descoberta – do que é produzido aqui mais fácil para os leitores. É quebrar o círculo vicioso das rodas fechadas de escritores, em que só eles se conhecem, alheio ao universo externo. Vários entrevistados falaram que, nos lançamentos de seus livros, contaram com a presença de muitos jornalistas. Os contatos das redações e a atividade midiática ajudam nessas horas, mas é preciso expandi-los. Se o livro só chega até o mediador, papel original do jornalista, o caminho não foi completado satisfatoriamente.

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Ajuda ou atrapalha?

Trabalhar em um jornal diário implica agilidade de texto, bombardeio de informações, limites de caracteres, pressão. Trabalhar com literatura é sinônimo de tempo, reflexão, estilo e liberdade. Nas duas áreas, entretanto, é preciso ter intimidade com as palavras: a melhor forma de deixar a notícia clara para o leitor, a estética mais bonita para o virar das páginas. Será que, tendo o mesmo objetivo central, jornalismo e literatura acabam se tornando complementos e participantes de um mutualismo benéfico para os dois lados? Angélica Torres acha que sim.

Não há atrapalho entre os dois. Há enriquecimento, sempre, porque ambos lidam com a linguagem, a comunicação, a expressão. Tanto numa como no outro busca-se o contato e o entendimento. Agora, uma exige tempo, dedicação rigorosa, entrega total se possível; já o outro convive com o drama do tempo escasso, a entrega imediata (do texto)… ainda assim, e talvez por essa diferença estrutural entre as duas atividades, ambas se favorecem.

Para Paulo José Cunha, a prática do texto jornalístico ajuda muito o escritor, mesmo que não seja uma condição insubstituível para a formação de um bom literato. Ele acha que a atividade midiática obriga o profissional a escrever rápido e bem. “A fluência do texto depende da prática”, argumenta. E as duas áreas se complementam, já que ter uma boa base literária evita que o jornalista desenvolva em seus textos diários um estilo fraco, com variedade vocabular baixa. E completa: “Ao mesmo tempo, a prática da literatura abre horizontes insuspeitados para o texto jornalístico, que tanto carece de qualidade, sobretudo nesses tempos de competição encarniçada em que vivemos.”

Já o cronista Rogério Menezes não divide com os autores a mesma opinião. Para ele, ser jornalista ou não é indiferente para o escritor, porque “fazer literatura não tem nada a ver com a profissão que se exerce, mas sim com a maneira desabrida com que se encara a vida e a morte.” Na opinião dele, o fato de ser jornalista não faz de ninguém mais potencial escritor do que um enfermeiro ou um veterinário, por exemplo.

 Mas a opinião de Menezes não reflete o pensamento da maioria dos entrevistados. Quase todos citaram pontos positivos do jornalismo na literatura – e colocaram a imprensa como uma ocupação que realmente influencia na arte literária. Entre eles estão o contato com as pessoas, que se na mídia é uma parte natural do trabalho, na literatura pode servir como fonte de inspiração para histórias e personagens. Os jornalistas escritores também citam a prática diária do texto como um fator benéfico para a literatura, já que permite o maior contato do autor com a palavra. E existem outros, como Carla Andrade, que destacam a importância de, como jornalista, você conseguir fazer o marketing ideal para o lançamento do seu livro. “Ser jornalista é bom porque você faz a sua assessoria de imprensa, tem contatos, organiza o lançamento, divulga o seu livro”, enumera. Mesmo assim, ela acredita que a literatura, em especial a poesia, ainda aparece muito pouco na mídia.

Para Alexandre Marino, um trabalho sério de literatura ajuda o jornalista a escrever com mais arte. No sentido inverso, o jornalismo pode dar ao escritor mais disciplina para escrever. “Além disso, as atividades podem ir se misturando. Mas o jornalismo é urgência, e a literatura é aprofundamento. É a diferença básica”, define o autor.

Na visão de Fernando Marques, é preciso ter cautela para avaliar as conseqüências dessa relação. Ele acredita que o jornalismo, assim como o magistério, é fundamental para manter as contas do escritor. Além disso, trabalhar na mídia faz com que o profissional participe com mais freqüência da vida intelectual da cidade. “Mas o preço, em tempo e energia, pode ser alto. E o lado escritor, que pede liberdade para o exercício da imaginação, do humor, do pensamento metafórico, talvez saia perdendo na parceria.”

Foi justamente para evitar essa desigualdade das partes que José Rezende Junior abandonou a rotina diária e frenética das redações para dedicar-se mais a sua literatura. Para ele, o jornalismo permite que o autor aprofunde sua experiência de vida. Mas os benefícios deixam de valer a pena quando se percebe que o trabalho na imprensa pode atrasar a carreira literária. Para Lourenço Cazarré, os pontos positivos de uma atividade na outra vão em uma única direção. Ele acredita que a leitura de bons livros é essencial para o jornalista, mas discorda que o jornalismo possa dar algo ao escritor. “Mas creio que não chega a atrapalhar”, acrescenta.

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Conselhos

Os entrevistados dividem opiniões sobre os benefícios ou prejuízos que o jornalismo traz para a literatura. Mas, quando perguntados sobre que conselhos dariam para um jovem jornalista com pretensões de ser escritor, eles são unânimes em um ponto: ninguém recomenda que ele se aprofunde nas atividades da mídia. Apesar disso, as dicas são as mais diversas. Menezes y Morais sugere que o jovem profissional viva, viva muito e intensamente. E que nessa empreitada, inclua muitas leituras, matéria-prima básica para entender a condição humana.

José Rezende Jr. defende que, quem quer ser escritor tem que tentar isso e não outra coisa. Carla Andrade sugere que o jovem tente, ao máximo, conciliar jornalismo e literatura, mas não se esqueça que a última seja tratada sempre como atividade de realização pessoal. Para Fernando Marques, a receita é “Mude-se!”. Se isso não for possível, é importante colocar no texto características locais, mas sem perder o contato com os outros centros. “A literatura precisa do que é local na origem, na gênese, como fonte de inspiração e de estímulo; mas deve ser feita para o mundo, no mínimo”, defende Marques.

Para Luiz Martins, o essencial para um jovem jornalista construir uma carreira de escritor bem-sucedida é ver a vida com saber e conciliar as duas áreas. “Porque a arte é capaz de maravilhar a vida e o jornalismo é capaz de mostrar de que forma a vida poderia ser maravilhosa”, recomenda.  Angélica Torres acredita que ser obstinado e manter uma disciplina de trabalho são essenciais nesse caso. Já Rogério Menezes foge da responsabilidade e prefere não dar conselho a ninguém: “Escrever ou não escrever é uma questão de foro íntimo, de vocação, de sina, de, como dizia Jorge Amado, de ‘maldição’. Ninguém se torna escritor porque alguém lhe aconselhou ou não aconselhou algo, mas porque não tinha outra coisa a fazer na vida, se não escrever. É/foi o que acontece/aconteceu comigo.” Lourenço Cazarré concorda com Menezes de que ninguém entra na literatura por palpite dos outros. Mesmo assim, o autor arrisca um conselho para os jovens escritores: “um conselho a todo jovem escritor: procure algo mais divertido para gastar as suas horas.”

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Conclusão

Não sei datar quando começou meu interesse na literatura. Desde pequena? Talvez. O jornalismo eu sei: veio com o vestibular. Escolhi o curso que mais me permitisse ler e escrever. Inconscientemente, escolhi jornalismo pensando na literatura e a literatura pensando no jornalismo. Com isso, sempre tendi para o lado cultural e literário do trabalho na mídia. A identificação com a área tornou-se mais forte quando fui selecionada no concurso Rumos Jornalismo Cultural, do Itaú Cultural, no fim de 2007. Com o prêmio, tive a oportunidade de participar, durante todo o ano de 2008, de um laboratório digital de Jornalismo Cultural, tendo encontros semanais com José Castello, um dos maiores nomes dessa área atualmente.

O tema da minha monografia, portanto, era óbvio: jornalismo e literatura. Pesquisar os jornalistas escritores do DF foi uma surpresa: não sabia que existiam tantos dessa “espécie” por aqui. Eu tinha, portanto, muito a explorar. E foi aí que todo esse percurso começou. Depois que você acha o primeiro jornalista escritor, os outros vão aparecendo aos poucos. E eu, que nunca tinha mergulhado na literatura brasiliense, passei a conhecer obras e autores do DF e, hoje, me sinto mais familiarizada com esse universo em formação.

Dos 21 jornalistas entrevistados para o trabalho, 15 são homens e seis são mulheres. Nenhum deles nasceu em Brasília. A grande maioria é de Minas Gerais, com coincidências curiosas, como dois deles, Joanyr de Oliveira e José Rezende Jr, serem conterrâneos da pequena cidade mineira de Aimorés. O mais velho é o poeta Reynaldo Jardim, que nasceu em 1926. Carla Andrade, de 1977, é a mais nova. As entrevistas realizadas, portanto, englobam três gerações de jornalistas escritores de Brasília: os que chegaram na capital entre os anos de 1960 e 1970; os que viveram os tempos de intensidade brasiliense entre as décadas de 80 e meados de 90; e os que começaram a vida profissional no fim dos anos 90 e ainda não chegaram aos 40 anos.

Mas o melhor dessa pesquisa não está publicado aqui. O contato com cada jornalista escritor, nesses três meses de entrevista, e o que se pode perceber de cada um, da história, dos gostos, da literatura, do jeito de escrever, de falar, de contar como lida com os seus jornais, com os seus livros, não pode ser impresso em papel. A transcrição das conversas e a comparação das respostas de cada jornalista escritor entrevistado com certeza foi um grande aprendizado. Mas o que mais marcou foi como, nessa empreitada de juntar autores do DF, eles quase não se conheciam. Como entrevistada e pessoa até então alheia ao universo jornalístico-literário do DF, pude entrar em contato com intelectuais de diferentes grupos, gerações, estilos. E andar entre essas categorias, sem se prender a nenhuma, quase ninguém faz.

A literatura brasiliense talvez ainda não tenha se consolidado justamente por isso. Os autores, todos jornalistas e escritores, não se conhecem. Um entrevistado me indica outro, que é seu amigo, que foi no lançamento do seu livro, que foi seu colega de trabalho nos tempos de redação. E esse outro, quando perguntado se conhece algum jornalista escritor brasiliense para participar da pesquisa, indica o nome do mesmo amigo que o sugeriu. 

O que se produz no DF está dividido em grupos. Temos os jornalistas escritores que se dedicam à poesia: os poetas mais antigos, que chegaram aqui na construção de Brasília; os mais jovens, que viveram a ditadura e a ebulição cultural candanga; os contemporâneos, que vieram para a capital por algum acaso do destino e resolveram ficar. Também existem aqueles grupos de autores voltados para a otimização dos livros no mercado editorial; os grupos de recitais; os do meio acadêmico. Quase nenhum entrevistado conhecia os jornalistas escritores de “outras vertentes”. Essa constatação confirma a afirmação de Juremir Machado da Silva, de que jornalismo cultural no Brasil (e no mundo) é uma espécie de “negócio entre amigos”, onde predomina um círculo literário fechado – e limitado – a alguns grupos.

A Companhia das Letras e a Objetiva, editoras fetiches dos intelectualóides, publicam Chico Buarque, Caetano Veloso, Zuenir Ventura, Veríssimo ou Jô Soares porque eles são celebras, e a Folha de S. Paulo repercute, pois se trata de personagens célebres editados pela Companhia das Letras e pela Objetiva. Os leitores cults compram as obras, pois não podem perder livros da “Companhia” e da Objetiva, louvados pela “Folha” e assinados por “celebridades”. (SILVA, 2000: 64)


Dividida e sem se conhecer como um todo, a literatura brasiliense faz-se ainda menos óbvia para o público em geral. Se nem os autores que produzem em um mesmo centro se conhecem, com os leitores essa unidade torna-se ainda mais frágil. É preciso dar uma imagem unificada e, assim, forte para a produção local. Senão, por mais que obras de qualidade sejam produzidas a todo instante (e eu percebo que isso acontece realmente), a literatura brasiliense não conseguirá projeção local – e muito menos nacional.

Outro ponto importante observado neste trabalho foi a ligação que a história de vida de cada autor tem em sua produção literária (e, às vezes, jornalística também). Ler o livro de Ariosto Teixeira, Poemas do front civil, e conversar pessoalmente com ele, por exemplo, foram experiências muito parecidas. Sua poesia política, forte e perturbadora combinam com a sua história de movimento estudantil, ditadura, inconformismo. A mesma coisa aconteceu com os textos de Pedro Biondi. Amante declarado da natureza, com parte de seu jornalismo dedicado a questões do meio ambiente, o conteúdo de Cheiro de Leoa não podia ser mais adequado. Os contos de Biondi falam de animais com precisão e detalhes, numa linguagem tão clara e tranqüila que lembram a conversa que tivemos no Café da Rua 8 para essa monografia. Joanyr de Oliveira, que está em Brasília desde 1960, mostrou-se uma pessoa com ótima memória. Suas poesias retratam lembranças e histórias dos primórdios da capital.

Menezes y Morais, morando em um afastado e isolado condomínio do Jardim Botânico, construído com árvores e silêncios, parece ter achado lugar adequado para seus textos e títulos. Alessandra Roscoe entrou para a literatura infantil por motivação e incentivo da filha. José Rezende Jr nunca escondeu sua admiração por Guimarães Rosa. Nem quando colocou uma citação do autor nas primeiras páginas do seu livro de estréia, nem quando usou uma camiseta com o nome dele na nossa entrevista. Seu estilo certamente teve influências roseanas. Turiba, cujo ano marcante da vida foi 1968, mostrou-se radiante ao falar do poema meiaoito, de 25 páginas, em que retrata um pouco da sua vida e da situação do país naquela época. E, quando eu o li, depois do nosso encontro, foi como se eu vivesse de novo a nossa conversa. A própria Carla Andrade confirmou as minhas constatações: “Acho que, por ser de uma geração pós ditadura, minha poesia é menos política, mais imagética, sem tanto compromisso em causar alguma provocação no leitor. Poesia não é pra ser entendida, é pra ser admirada”, defendeu.

Quanto à literatura e ao jornalismo, a maioria dos entrevistados afirmou conciliar as duas áreas sem problemas. Como uma necessidade e uma tendência histórica no Brasil, a atividade na imprensa e a paralela publicação de livros não se mostrou impossível. Mesmo assim, é importante observar que a maioria dos jornalistas escritores brasilienses consultados não se dedicavam mais à redação na época. Dos 21 entrevistados, apenas dois podem ser considerados jornalistas diários, caso de Clara Arreguy, editora do Caderno de Cultura do jornal Correio Braziliense, e de Ariosto Teixeira, analista político de O Estado de S. Paulo. Outros quatro, embora trabalhando com jornalismo, estão no serviço público e por isso tem um pouco mais de folga e garantia de horários, como Amneres Pereira (na Câmara dos Deputados) e Carla Andrade (na Agência Nacional de Aviação Civil – Anac). Quem divide a literatura com o magistério, como Luiz Martins, Rosângela Vieira, Fernando Marques e Paulo José Cunha (que também trabalha na Câmara), também precisa saber dosar o tempo. A literatura é mais tranqüila para aqueles que estão ligados indiretamente ao jornalismo, como Rogério Menezes, ou os que já se aposentaram e, hoje, podem viver em função da escrita, como Joanyr de Oliveira e Anderson Braga Horta.

No fim, a relação jornalismo e literatura no DF assemelha-se com a nacional. Não há uma resposta objetiva e exata para a questão. O jornalismo pode ajudar ou atrapalhar o escritor, depende de como o profissional lida com as duas atividades, das prioridades que ele estabelece para cada área. A diferença do que acontece aqui para o que impera no Brasil, talvez, diga respeito ao mercado editorial. Fora do eixo Rio-São Paulo, os jornalistas escritores brasilienses tem que enfrentar mais dificuldades para fazer seu trabalho chegar ao mercado. Além disso, o país ainda não conhece bem o que uma região com menos de 50 anos de existência e composta por pessoas de todos os lugares produz. Por isso, estabelecer-se como um nome literário reconhecido é um caminho um pouco mais tortuoso para quem trabalha no DF.

O que se percebe é que existe produção literária de qualidade no DF, algumas obras até merecedoras de destaque nacional. Isso só não acontece por causa do desconhecimento dos autores entre si e com o público, além da falta de unidade do que é produzido aqui, como citado anteriormente. Outro problema é a concentração do debate cultural do país no eixo Rio-São Paulo, o que faz com que obras de renome fora dessa localidade sejam uma exceção num país com 27 unidades federativas. Como jornalistas, os autores do DF deveriam priorizar a divulgação de seu trabalho literário, para que o público conheça (e valorize) o que é produzido aqui. Como escritores, eles não podem parar de produzir boas obras e de insistir na busca de uma literatura característica da cidade. Como jornalistas escritores, eles devem sempre buscar a melhor aplicação das palavras e tudo que o conflito jornalismo e literatura oferece de melhor para o produto final.

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