Paulo José Cunha

– Realizada por e-mail, no dia 17.09.08

 

Nome completo: Paulo José Araújo da Cunha

Nascimento: 25 de fevereiro de 1951, no Rio de Janeiro (RJ)

Em Brasília desde: 1970

Bibliografia:

A noite das reformas, 1979;

Salto sem trapézio, 1984;

Caprichoso – a terra é azul, 1991;

Vermelho – um pessoal garantido, 1999;

A viagem da reeleição, 2002. Ref.: D.A.

 

– Breve perfil (retirado do livro Todas as gerações: o conto brasiliense contemporâneo, de Ronaldo Cagiano).

Jornalista e analista legislativo da Câmara dos Deputados. É atualmente o diretor da TV Câmara. Ex-repórter de O Globo, Jornal do Brasil, TV Verdes Mares e TV Globo. Diretor de documentários e comerciais de TV. Escritor, poeta e pesquisador. É também professor concursado da Faculdade de Comunicação da UnB, onde dirigiu o Centro de Produção de Cinema e Televisão – CPCE. Foi editor-chefe do programa radiofônico “Escola Brasil”, voltado para a educação fundamental.

 

PERGUNTAS

1. Você acha que dá para ser jornalista e escritor ao mesmo tempo?
Não foi uma decisão, mas uma condição. Era jornalista quando decidi publicar um livro com meus primeiros poemas. Nem sabia, mas a partir daí virei…escritor! Depois, publiquei outros livros, e consolidei-me nessa condição. Não estou fazendo gênero nem me gabando por coisa alguma, mas não sabia, MESMO, que alguém se torna escritor simplesmente porque publica um livro. Achava que existiam outras condições, mas não. O certo é que a partir daí já fui convidado e participo hoje de associações de escritores, dou palestras e assim sou apresentado – jornalista e escritor. Mas, a sério, considero escritor a figura que se situa em patamar bem mais elevado, e tem carreira consolidada no mundo literário, como Jorge Amado, Carlos Drummond, José Saramago, Paulo Coelho etc. O que sou mesmo é um jornalista metido a poeta, e que eventualmente publica livros. Mas, se querem me chamar de escritor, então podem chamar… E para responder às suas duas últimas perguntas, a resposta é: sim, dá para ser jornalista e escritor ao mesmo tempo. Mas ambas as atividades são prejudicadas. Quem pretende ser um escritor de ficção, o melhor que tem a fazer é dar um jeito de se dedicar exclusivamente à literatura, porque a atividade jornalística é muito absorvente. Igualmente, quem quer ser um bom jornalista mas tem pretensões literárias, o melhor é saber que a literatura vai pagar o preço por não ser a “única esposa”. Mas que é possível conciliar, é possível, sim. Um ótimo exemplo e o de José Nêumanne Filho, editorialista do Jornal da Tarde e colunista do Estadão, escritor de ficção e poeta premiado. Mas só o Zé sabe a ginástica que é ser jornalista e escritor ao mesmo tempo.   


2. Você convive (ou convivia) bem com essa realidade de jornalista e de escritor ou havia conflitos entre as duas partes?
Nunca houve conflitos porque, como já disse, as duas condições apareceram naturalmente na minha vida. O jornalismo surgiu por necessidade – na verdade eu vim para Brasília pora fazer cinema, que era a minha grande paixão quando morava no Piauí, onde não havia escola de comunicação na época. Mas fui tragado pelo jornalismo, primeiro o impresso, depois o de televisão, e estou nisso até hoje, e nem penso em largar, a não ser para me aposentar. O trabalho de escritor veio junto, começando pela poesia, depois pelo livro-reportagem, depois pela pesquisa antropológica (como os livros que escrevi em parceria com o artista gráfico Andreas Valentin sobre a festa do boi-bumbá de Parintins), depois pela pesquisa de linguagem da “Grande Enciclopédia Internacional de Piauiês ” e por aí vai). Nunca houve qualquer conflito, talvez pelo fato de nunca ter me aventurado pela ficção, antípoda do jornalismo. O mais perto que cheguei dela foi a poesia, que hoje vem tomando boa parte do meu tempo, depois de um longo período em que não escrevi nada. Fizemos as pazes e voltei a escrever versos. Tenho dois livros prontos, e estou doido para vê-los na rua.  

3. Como você vê a literatura no DF hoje? Há espaço? Há reconhecimento do trabalho do escritor local na mídia da cidade? Há projeção nacional dos autores?
Fora do eixo Rio-São Paulo qualquer veleidade literária é apenas uma tentativa vã. Não existe projeção para quem não atua dentro desse eixo. Como a grande mídia está situada nesses dois estados, nada que não tenha saído daí ganha projeção e dimensão nacionais. Até existem escritores que no passado conseguiram projeção permanecendo em seus estados. Érico Veríssimo talvez seja o melhor exemplo. Mas não vale tanto porque na sua época o Rio Grande do Sul ainda era um forte pólo de difusão editorial, com a Revista do Globo servindo de referência e parâmetro. No nordeste, temos algumas exceções que só confirmam a regra, como Ariano Suassuna, que continua residindo em Recife. Quanto à mídia de Brasília, não tenho grandes críticas a fazer, a não ser ao fato de que ainda existe um certo fascínio pelo que vem de fora, como se o que se produz aqui não tivesse igual ou maior qualidade. Na verdade, ainda temos um forte complexo de inferioridade intelectual e cultural, apesar de já contarmos com um grande número de expoentes da intelectualidade candanga figurando no panorama da cultura e da arte brasileiras. Vamos lembrar de alguns como Vladimir Carvalho, Geraldo Moraes no cinema; os irmãos Guimarães, Hugo Rodas, a turma dos Melhores do Mundo no teatro e na tv,  e por aí vai. Devo ter esquecido alguém muuuuuito importante, e vou pagar caro por isso, mas é o risco que se corre tendo de responder a essas entrevistas às pressas. E na área da literatura, temos excelentes autores. Prefiro não citar ninguém, pra não levar uma surra, mas suspeito que se não saírem daqui pra morar no Rio ou em São Paulo vão continuar no anonimato, infelizmente. Pensam que o Eixão da Morte é o eixo rodoviário? Estão enganados. O Eixo da morte da arte e da cultura brasileira é o que reúne os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, que sufocam grande parte da fantástica diversidade da nossa cultura regional em todas as áreas. Por falar em áreas, nem falamos na música, no rock e no chorinho que exportamos, e por aí vai.

4. No que a literatura pode ajudar o jornalismo e vice-versa?5. Se você pudesse dar um conselho a um jovem jornalista com perspectivas de se tornar escritor, o que aconselharia?
A prática do texto jornalístico ajuda, e muito, o escritor, porque no jornalismo somos obrigados a escrever rápido e bem. A fluência do texto depende da prática. Nenhum grande escritor começou já sendo um grande escritor. Isso é um trajeto. Ele começou treinando, errando, melhorando, até virar um grande escritor. Mas é claro que uma atividade que te obriga a escrever diariamente como o jornalismo só tem a ajudar quando você precisa escrever bem, fluentemente, e com pretensões literárias. Gabriel García Marquez, jornalista, até hoje afirma que não seria o Prêmio Nobel que é hoje se não tivesse começado pelo jornalismo. Não digo que seja uma condição insubstituível, vários outros Prêmios Nobel não praticaram o jornalismo e são brilhantes. Mas que a atividade de redação ajuda, é claro que ajuda. A afirmação vale também em sentido contrário. Sem uma boa base literária, de conhecimento dos grandes mestres, o estilo é fraco, a variedade vocabular é baixa, a qualidade do texto jornalístico deixa a desejar. Ao mesmo tempo, a prática da literatura abre horizontes insuspeitados para o texto jornalístico, que tanto carece de qualidade, sobretudo nesses tempos de competição encarniçada em que vivemos. Portanto, vejo as duas atividades como complementares.

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